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"O dia da conquista do bicampeonato pelo glorioso Benfica mostrou a todo o Portugal a elevada qualidade de alguns dos profissionais deste país - e não, não estou a falar dos jogadores e dos técnicos da equipa...
Tivemos, em primeiro lugar, a elevada qualidade dos profissionais da pancadaria, liderados pelas claques do amor à traficância de bilhetes, de viagens, de álcool, de petardos e de drogas. São acompanhados por trogloditas ocasionais, especializados na destruição de casas de banho públicas, artistas no jogo do lançamento da garrafa e da pedra com que lapidam a frustração de uma pobre existência.
Domingo, em três tempos, estes talentosos meliantes arranjaram maneira de demonstrarem a sua arte em Guimarães, Alvalade e, sobretudo, no Marquês de Pombal.
Em segundo lugar tivemos profissionais de coboiadas ao fim de semana: pelotões com capacete, bastão e escudo, rotinados em varrer à pancada corredores trôpegos pela bebedeira infinita.
Na mesma imagem deram-nos um complexo exemplo de esquizofrenia corporativa: de um lado um polícia, incapaz de resistir à tentação do abismo, batia num homem caído no chão; do outro lado, dois outros agentes, carinhosamente, tentavam esconder a cena e acalmar uma criança de 9 anos, filho do homem que saboreava o impacto de um cassetete desgovernado.
Em terceiro lugar tivemos os profissionais do óbvio: políticos a condenar as cenas de violência, o presidente do Benfica a pedir apuramento de responsabilidades, as autoridades a garantir processos--crime e disciplinares, os compulsivos do Facebook a exigir sangue em lugar de justiça.
O futebol não pode continuar a empurrar a solução dos problemas da violência que cria para cima do resto da sociedade. Enquanto dirigentes, treinadores, gestores de comunicação continuarem a trocar, todos os dias, insinuações e insultos; enquanto não proibirem e não deixarem de subsidiar claques violentas; enquanto não penalizarem adeptos criminosos; enquanto acharem normal a berraria com que se vive a paixão pelo futebol, a brutalidade, já banalizada nas ruas, crescerá mais e mais.
Para já, o futebol podia acabar com as suas perigosas celebrações nas cidades e levar os amantes da pancadaria para dentro dos estádios. Era o mínimo...
O maior profissional que vi no domingo foi um empregado de limpeza da Câmara de Lisboa a passar no meio da linha que separava adeptos e polícias. Indiferente às pedras que caíam e aos bastões que ameaçavam, insistia, sereno, em limpar o asfalto. Parecia ter vontade de varrer o futebol das nossas vidas - coisa que parece ser, cada vez mais e infelizmente, uma ideia sensata..."
(Pedro Tadeu - Diário de Notícias)
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