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1 Não é preciso ir ao Burkina Faso para encontrar um respeitável cidadão investido de poderes para realizar a supervisão de todos os bancos a operar no sistema e descobrir que, afinal, continua a ser acionista de alguns desses bancos.
Não temos de regressar ao Velho Oeste para ver o maior de todos os bancos abrir falência, saber que as autoridades foram demasiado complacentes com os cowboys fora-da-lei, assistir ao seu afastamento e, na cidade sitiada, perceber que o novo xerife contratou clandestinamente um amigo do peito para restabelecer a ordem e vender aquilo que resta.
Não se trata de sociedades capitalistas subdesenvolvidas dos nossos tempos, nem de tempos em que o capitalismo sequer tinha sido inventado. É o nosso Estado. Estado regulador. Estado de sítio. Estado em mau estado. É promiscuidade sem puritanismo. É a decência e a desistência. A negligência e a indigência. Incúria e estupidez. Interesse público e interesses privados. Ou então é a mesma história de sempre, em que acabamos todos parvos.
António é o homem de Maria. Maria é a mulher em quem Pedro confia. E todos decidiram gritar "basta", quando ficou clara a falência fraudulenta do BES, a gestão danosa que a desencadeou, a permissividade do Banco de Portugal, o perigo que corria a reputação de quem deve assegurar a estabilidade financeira do país e as bases do próprio crescimento da economia.
A supervisão, "enquanto área absolutamente crítica", não podia "ter melhor titular do que António Varela" - afiançava Maria. Ministra de Passos, avalista do empossado. O homem da caixa-forte tinha afinal telhados de vidro.
Varela é acionista do Santander, do BCP e do Banif, só para citar três casos de bancos que dependem da sua vigilância direta. No seu cofre privado ainda tem um portefólio com obrigações do BBVA e, outra vez, do Santander, do BCP e do Banif. Na sua carteira também há aplicações em diversos fundos de investimento cujo valor oscila com a cotação de vários bancos.
Não faço julgamentos de carácter de quem quer que seja. Mas, em qualquer local do mundo, em qualquer tempo ou época, é promíscuo, sim, um banqueiro central ter simultaneamente interesse patrimonial ligado ao dia-a-dia da banca comercial. Não pode ser por distração. Só estupidez, não se ter desfeito destas teias no exato dia em que foi nomeado.
Sem puritanismo, resta a decência. Porque é indecente um banqueiro central entrar como bombeiro e acabar pirómano. A banca portuguesa foi oficialmente decretada "lugar mal frequentado" com a sucessão de poucas-vergonhas que assistimos desde o colapso do BPN. Seis mil milhões de euros depois, os portugueses ainda assistem a diretos televisivos com o desespero dos lesados do BES. E aguardam por uma fatura de litígios judiciais, que ninguém arrisca dizer até onde vai.
Por isso, a supervisão bancária precisava de tudo menos de decisões opacas, casos obscuros ou administradores sob suspeição. Por isso, Pedro Duarte Neves foi afastado do pelouro mais sensível do banco central. Por isso, António Varela entrou no seu lugar. Por isso, a cabeça de Carlos Costa está a prémio e dificilmente será reconduzido no cargo de governador. Por isso Varela era o escolhido de Maria Luís Albuquerque para o seu lugar - e isso ficou virtualmente impossível de acontecer. Por isso é ainda mais obscena, neste contexto, a contratação por ajuste direto de uma empresa unipessoal, através da qual um velho amigo de Varela está a assessorar o Banco de Portugal na venda do Novo Banco.
Também ninguém é ingénuo, é fácil de adivinhar porque são agora conhecidas as histórias de Varela, a cadeira de Costa está a ser disputada e há quem tenha conseguido o que queria: Varela já era. Mas a incúria sobra e a mancha fica no banco central: o contrato foi assinado em Abril, o amigo está a "ajudar" desde outubro, um mês depois da tomada de posse do atual vice-governador, a assessoria ainda não foi publicada no Portal de Contratos Públicos do Estado, mas dizem que vale 800 mil euros e é por dez meses.
Não existem limites na língua portuguesa para qualificar o caso de Varela. A promiscuidade dele, a decência no Banco de Portugal, a desistente ministra das Finanças, a incúria da supervisão. Não é a estupidez de Varela que nos torna a todos parvos. É a negligência, do governo que permite. É a indigência, do país que não se choca.
2 Efromovich, como sempre foi. O empresário colombiano foi repescado pelo Estado para a fase final da privatização da TAP, propondo-se vender 12 aviões novos à companhia aérea portuguesa. O jornal Expresso "descobriu" que dois deles estão parados há longos meses "a apanhar pó" no aeroporto de Teruel em Espanha. Deveriam ter sido entregues à Avianca Brasil, mas vai lá saber-se porquê isso não aconteceu. Germán Efromovich justifica a irracionalidade, que custa a módica quantia de pelo menos 1,5 milhões de euros por mês em leasing, argumentando que os dois aparelhos A330-200 estão à espera da privatização da TAP. Há um problema de datas: um não voa desde junho de 2014 e o outro desde novembro do ano passado. Acontece que o caderno de encargos da venda da TAP foi aprovado a 20 de janeiro deste ano. Ou Germán é vidente ou recebe informação privilegiada do seu amigo que saiu deste governo sem saber ler nem escrever. Ou, então, há dois tóxicos prontos a sair do chão de um aeroporto de terceira categoria em Espanha para serem pintados com as cores de uma companhia que não precisa de mais problemas, porque já não suporta os que tem.