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"1. O discurso com que os chefes de Estado e de governo da União Europeia se despediram de Durão Barroso foi feito por Angela Merkel. Não admira. O, até dia 1 de novembro, presidente da Comissão Europeia foi um venerador e diligente executor de todas as convicções, de todas as políticas, de toda a visão alemã para a Europa. O seguidismo foi tal que Durão Barroso deixou de contar. A partir de certa altura quem queria saber qual a posição da União Europeia perguntava primeiro aos representantes do eixo franco-alemão e depois simplesmente à chanceler alemã. As pessoas fazem, muitas vezes, os cargos, e Durão Barroso conseguiu transformar o seu numa espécie de sucursal dos interesses alemães.
Barroso seguiu o cherne da necessidade da expiação da culpa dos povos das economias periféricas. Esses malandros que viviam de bar em bar e gastavam à tripa-forra. Atacou com denodo o Tribunal Constitucional do seu próprio país e conseguiu fazer do FMI uma instituição equilibrada face ao fanatismo da Comissão que liderava. Colaborou ativamente nas criminosas políticas que ajudaram a destruir ainda mais as economias periféricas e mais débeis e tornou-se uma espécie de campeão dos tremendos erros das troikas . No fim dos vários programas, as várias nações europeias não resolveram os seus problemas estruturais, pelo contrário, as suas economias ficaram mais frágeis, os Estados mais fracos, as comunidades mais desiguais.
Barroso deixa a União Europeia à beira da deflação, com um desemprego nunca visto (sobretudo jovem) e com as populações descrentes no projeto europeu. Nunca os partidos eurocéticos foram tão fortes e nunca houve tantas dúvidas sobre a convicção de que uma Europa unida seria boa ideia. Temos um conjunto de nações para quem a Europa deixou de ser uma prioridade e assistimos à renacionalização da política feita às claras.
Há quem diga que uma das vitórias de Durão Barroso teria sido a não morte da moeda única. Diria que o euro sobreviveu apesar do ex-primeiro-ministro português. Foram, em grande parte, as soluções que Durão Barroso apoiou que puseram em risco o euro e se há alguém a quem devemos a ainda existência da moeda única, muitas vezes contra corrente, é a Mario Draghi. Também podia referir-se em seu abono as vezes em que falou das eurobonds ou das necessárias alterações aos tratados europeus. O problema é que rapidamente esquecia as propostas ou mesmo se desdizia mal a Sra. Merkel ou o Sr. Schäuble contestassem as suas propostas.
Dizia Bernardo Pires de Lima, neste jornal, que Durão Barroso não tinha sido presidente da Comissão em tempos fáceis, mas que é nestas alturas que os políticos acima da média sobressaem. Não consigo sequer pensar, pelos resultados obtidos, em Durão Barroso como um político mediano. Provou ser simplesmente medíocre. Não admira que as instituições europeias e a própria União tenham chegado ao estado a que chegaram, tendo durante este período um político deste calibre, sequer formalmente, à frente dos seus destinos. O pior é que, às tantas, foi mesmo essa a intenção - mas isso é outra conversa.
Convenhamos, é injusto atribuir a Barroso toda a responsabilidade pelos erros cometidos pela União Europeia nestes últimos dez anos. E é injusto porque o seu papel pouco mais foi que o de capataz. E é aí que está a sua maior falha, e é aí que, sobretudo, está o seu terrível fracasso. Foi um político sem iniciativa no mais conturbado período da recente história europeia. Alguém que se limitou a ir na onda imposta pelos mais fortes e a cavalgou como só os que querem agradar fazem: sempre a tentar ir além dos desejos de quem manda. Não admira que, depois de dez anos no cargo, apenas cento e cinquenta dos setecentos e cinquenta deputados tenham estado presentes no seu discurso de despedida. Há sinais que não enganam.
Durão Barroso saiu mal de Portugal e deixou a União Europeia ainda pior. É um político que entra sempre pela porta grande e sai sempre por uma muito pequena. O seu mandato só não fica para a história como um terrível fracasso porque nem para a história fica.
A ambição desmedida não chega para alguém ser um político médio, quanto mais estadista. Durão Barroso provou-o mais uma vez.
Boa noite e boa sorte.
2. Rui Machete resolveu dizer que havia portugueses no Estado Islâmico que queriam regressar a Portugal. Foi até mais explícito, eram mulheres, duas ou três, segundo ele, as que queriam voltar à sua terra. Evitemos explicações espúrias: o ministro divulgou informações que deviam permanecer secretas e colocou em sérios riscos de vida cidadãos portugueses.
Em qualquer país minimamente civilizado, o Sr. Machete não passaria nem mais um minuto como ministro e muito provavelmente estaria sujeito a vários processos.
Mas, ao final da tarde de sexta-feira, percebeu-se porque nem o ministro corre o risco de ser demitido e sobretudo entendemos que não vivemos num país minimamente civilizado. É que o primeiro-ministro português afirmou que "as declarações que o senhor ministro fez a mim não me causaram nenhum incómodo". Ou seja, o primeiro-ministro não fica incomodado por existirem portuguesas em risco de ficarem sem cabeça na Síria - não está agora em causa terem colaborado ou colaborarem com uma organização absolutamente infame. Uma nova versão do velho ditado: pimenta no rabo dos outros é refresco para mim. É, digamos, toda uma nova forma de ser primeiro-ministro. Não admira que Rui Machete possa dizer e fazer os disparates que lhe apetece."
(Pedro Marques Lopes - Diário de Notícias)
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