sábado, 18 de outubro de 2014

A confiança não é para quem quer

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"Dois dias antes da entrega do Orçamento do Estado, o PSD propôs aos portugueses um "contrato de confiança". Isto é, Marco António Costa, braço-direito do primeiro-ministro no partido, pediu às famílias que confiem em que, em 2016, serão recompensadas pelos ganhos obtidos com a manutenção da sobretaxa de IRS e com o combate à fraude e à evasão fiscais. Isto é, em 2015, ano de eleitoral, a maioria PSD-CDS mantém os contribuintes sob pressão e obriga muitas famílias a viver em regime de "economia de guerra", mas acena com algum alívio no Orçamento seguinte, que só Deus sabe que governo vai elaborar.
O problema é de credibilidade. Quem nos pede que confiemos e acreditemos num amanhã fiscal que canta é alguém que nos idos de 2011, por exemplo a 1 de abril, dois meses antes das eleições legislativas, garantia a uma adolescente de uma escola de Vila Franca de Xira que não haveria cortes no subsídio de Natal. Menos de três meses depois, já primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho comunicava ao país um corte de 50% no 13.º mês.
Nesses meses de campanha eleitoral, como é aliás da praxe, as promessas foram como as cerejas. Que as soluções seriam positivas e que o futuro não seria penhorado tapando com impostos o que não se corta na despesa. Que parte dos sacrifícios exigidos às famílias e às empresas seriam transferidos para o Estado. Que se fosse necessário algum ajustamento fiscal, esse seria canalizado para o consumo e não para o rendimento das pessoas. Que a ideia que se construía à época em que o PSD se preparava para aumentar o IVA não tinha qualquer fundamento. Que chegados ao governo havia a garantia de que não seria necessário despedir pessoas nem cortar mais salários para sanear o sistema português. Que para salvaguardar a coesão social seriam onerados os escalões mais elevados do IRS de modo a proteger as classes médias e mais desfavorecidas. Que todos aqueles que produziram os seus descontos e que têm direito às suas reformas e pensões podiam estar descansados de que as manteriam no futuro, sob pena de o Estado se apropriar daquilo que não é seu. Que haveria uma reforma do Estado que nunca saiu do papel. E por aí adiante.
Tudo teria sido diferente se, por uma vez, se tivesse falado verdade aos portugueses em vez de se ter transformado a campanha eleitoral na habitual feira de ilusões e de venda de banha da cobra. A verdade foi, aliás, compromisso assumido: "Não contem comigo para fazer de José Sócrates. Não contem comigo para não dizer a verdade", prometia Passos Coelho em maio de 2011, num comício em Viseu.
A verdade é que, passados três anos de ajustamento assentes na crença dogmática no modelo de empobrecimento, Portugal tende a piorar ainda mais. Os riscos de desemprego continuam elevados e, por isso, o consumo não deverá aumentar de modo que o otimismo revelado nas previsões do crescimento se cumpra. Por outro lado, haverá aumento de impostos por via da fiscalidade verde e só as famílias numerosas terão algum benefício, mínimo, em sede de IRS. E depois, os cortes cegos nas despesas dos ministérios ameaçam agravar o colapso em setores-chave como são a Justiça, a Saúde ou a Educação.
Quem nos propõe um "contrato de confiança" é, pois, uma entidade cujo rating está ao nível da República portuguesa. À primeira, caímos todos. À segunda ainda se dá o benefício da dúvida. Daí para a frente só cai quem quer."
(Nuno Saraiva - Diário de Notícias)


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