domingo, 7 de setembro de 2014

Reformar as reformas

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"Como é do conhecimento geral, com os problemas que têm vindo a público e com a contestação de vários operadores do setor, está em curso mais uma reforma do nosso sistema judicial.
A nenhum português será alheia a esperança de que se ao anúncio de reformas correspondesse uma efetiva melhoria a nossa justiça seria exemplar. Como todos sabemos, não é assim. Muito longe disso. É, aliás, muito provável que os grandes problemas com que a justiça se depara se devam muito mais a fatores não diretamente ligados ao mapa judiciário, organização do sistema ou mesmo à má técnica legislativa, e muito mais a problemas ligados aos operadores e a vários aspetos de uma mentalidade corporativa e imobilista instalada. Mas, e todos o sabemos, o vício português de julgar que tudo se pode solucionar com leis e grandes reformas está muitíssimo longe de ser erradicado.
Parece-me claro que o anterior Governo através, por exemplo, da implementação do Citius, ajudou a uma efetiva modernização do sistema. Como julgo evidente, de acordo com a reforma em curso, que era fundamental uma melhor adequação do mapa judiciário, face às alterações demográficas, e o aprofundamento da especialização por áreas dos tribunais.
O que não é entendível à luz do mais comum bom senso é que tribunais construídos há meia dúzia de anos, com custos muito significativos e que foram anunciados como vitais para um melhor funcionamento da justiça, sejam agora abandonados e considerados inúteis. Também não se consegue perceber como esteve tanto tempo parado o sistema informático, o Citius, deixando processos parados e inacessíveis. Mais, ainda está por apurar se foi devidamente acautelada a compatibilização do sistema com a nova organização. Quero acreditar que sim, outra hipótese seria impensável - apesar de o apelo da Direção-Geral da Administração da Justiça para que os administradores judiciais não o utilizem não fazer prever nada de bom.
Não me restam muitas dúvidas de que estamos perante um problema não novo e que está longe de ser exclusivo deste Governo ou do setor da justiça: achar que tudo o que atrás se fez está errado e que é preciso destruir o que foi feito e construir tudo de novo. Ninguém ficou surpreendido ao ouvir António José Seguro dizer que reabriria todos os tribunais que agora foram fechados, como ninguém se espantou que Passos Coelho acabasse com as Novas Oportunidades. Tentar avaliar os projetos? Ver os seus méritos e deméritos? Trazer os seus autores para perceber a razão de decisões? Era dos outros, é mau. Não me recordo de ver uma única notícia em que um ministro de um governo convidasse o seu antecessor para uma reflexão sobre um dossiê anterior.
Por outro lado é urgente um entendimento entre os dois principais partidos sobre o edifício da justiça portuguesa. Não será o único setor em que o tão propalado consenso é necessário, mas é, com certeza, o mais urgente e fundamental. Sem isso, cada vez mais o sistema se degradará e as pessoas mais deixarão de acreditar nos tribunais.
Estas constantes reformas, por muito boa vontade que demonstrem, por boas soluções que possam trazer, são sempre tidas pelos operadores e pelos cidadãos como provisórias. Se duram tão pouco, o empenho para que funcionem será sempre reduzido.
Não há como dizê-lo de outra forma: uma democracia liberal e um Estado de direito não subsistem por muito tempo sem que a justiça funcione de uma forma minimamente satisfatória. A verdade é que a nossa não funciona e não parece que esta reforma mude, no essencial, o que quer que seja."
(Pedro Marques Lopes - Diário de Notícias)

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