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"Irlanda e Portugal conseguiram, e nós falhámos". Dita pelo antigo PM Papandreou, num comício pró nai (sim) na semana antes do referendo, a frase leva-me a perguntar para o lado, a uma jovem que foi candidata a deputada pelo novo partido de Papandreou nas eleições de 2015, o que sabe do meu país. Fica boquiaberta quando debito o valor da dívida portuguesa e o quanto subiu nos últimos quatro anos: "Ah, não fazia ideia. Não é o que lemos nos jornais". O mesmo sucede com outras pessoas que me perguntam como está Portugal e a quem recito indicadores do Banco de Portugal sobre o modesto crescimento da economia e o facto de ser baseado sobretudo na procura interna e na compra de bens como automóveis, eletrodomésticos, etc, ao invés de, como o Governo pretende, no crescimento das exportações. "Mas ao menos conseguem financiar-se no mercado", diz um dos entrevistados. Sim, é verdade. E não terá isso muito mais a ver com o mercado e suas perceções e intenções - como desde o início da crise das dívidas soberanas -, e a forma como são propagandeadas nos media, do que com o real estado de cada país e o que cada um fez nos famosos "ajustamentos"?
Perceções, então: a Grécia, repete-se, "não fez o que devia ter feito" e tem um governo "de extrema esquerda" que quer "estragar todo o trabalho, recuando nas reformas estruturais". Bom, para começar, se a Grécia "não fez o que devia ter feito", como é que a culpa seria do governo atual, no poder desde janeiro? Não será de assacar as culpas ao Nova Democracia de Samaras, que governou de 2012 a 2015, ao PASOK de Papandreou (2009 a 2011), mais ao "governo de unidade nacional", que esteve entre os dois?
Depois, em que "reformas estruturais" terá recuado o primeiro-ministro Tsipras? A do fecho da TV pública, será isso? Como Portugal, a Grécia aumentou o IVA para 23%; Tsipras não o desceu. O ordenado mínimo foi cortado de 751 para 585 euros em 2012; Tsipras prometeu aumentá-lo - em 2016. O 13º e 14º mês foram cortados desde 2010 aos pensionistas e funcionários públicos, que sofreram vários outros cortes, muito mais elevados que em Portugal; ainda não lhes foram devolvidos. Aliás, quando o Supremo Tribunal Administrativo (o TC deles) anunciou, a 10 de Junho, que os cortes nas pensões efetuados desde 2012 são inconstitucionais, assim como os nos salários nas universidades, o governo afirmou que iria "respeitar a decisão mas só de acordo com as possibilidades orçamentais" (por qualquer motivo, não vimos o BE nem o PCP comentar estas palavras).
Portanto, expliquem lá: porque é que Portugal é "bom aluno" e a Grécia cábula? É porque o PIB da Grécia encolheu 27% nestes cinco anos a fazer o que lhe mandaram e portanto tem de se sangrar ainda mais a ver se melhora, enquanto a fustigam com o "sucesso" português? O fulgurante sucesso que Passos e Portas inventam a cada discurso, com a mesma desvergonha e despudor com que em 2011 prometeram - tal qual Tsipras - acabar com a austeridade."
(Fernanda Câncio - Diário de Notícias)
sexta-feira, 10 de julho de 2015
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