Há uma empresa em Felgueiras que fez o contrário do que a troika exigiu: não desceu salários, subiu; não despediu pessoas, contratou; não parou de investir para se desendividar, gastou em mais e em melhor tecnologia, não parou de trabalhar as suas marcas, gastou dinheiro a pensar no assunto e a posicionar--se nos mercados internacionais. E subiu os preços, não os baixou.
Hoje, esta empresa, a J. Moreira Lda., chegou onde a troika queria - dizia querer - que o País chegasse: ganhou quota de mercado, vende para o mundo inteiro (só os italianos conseguem vender sapatos mais caros que os portugueses). A J. Moreira Lda. é um êxito no meio de muito fracasso. Não é a única assim, embora seja um bom exemplo. Em 2013, as empresas de calçado venderam 1,7 mil milhões de euros para o exterior e, desde 2010, a indústria tem mais 10% de pessoas a trabalhar. Cresceu no meio da crise.
Como é sabido, a chamada des-valorização interna foi a resposta automática do FMI para um país que não pode desvalorizar a moeda. A ciência económica ficou assim reduzida à sua expressão mais simplória. Para quê complicar?, pensaram FMI, BCE e Comissão Europeia, até porque, na verdade, os salários tinham crescido acima da produtividade na última década.
É evidente que o fator trabalho (custo) é relevante para a competitividade de uma economia e de qualquer empresa (embora não seja o único) e que, por isso, a moderação salarial era provavelmente inevitável na maioria dos sectores. O que não se entende é que hoje, depois de os salários terem sido longamente congelados no Estado, depois de as remunerações terem sofrido cortes violentos, depois de terem saído pessoas como nunca da função pública para a reforma ou para o desemprego, depois de o sector privado ter despedido e continuar a despedir e ter cortados salários e benefícios, depois de as horas extraordinárias terem sido reduzidas e de mais de 200 mil pessoas terem emigrado... depois de tudo isto, como é que ainda se pode acreditar que o caminho é cortar ainda mais?
Na J. Moreira Lda., as receitas subiram para 14 milhões anuais e duplicaram nos últimos quatro anos. Os menos de 170 trabalhadores em 2009 são hoje mais de 200. Uma delas é Sónia Carneiro, que trabalha há 16 anos na empresa e que nunca deixou de receber aumentos salariais. A troika (que ainda cá está e não apenas em espírito), o Governo e muitas empresas privadas deviam pôr os olhos neste exemplo. É fácil dizer que as pessoas estão sempre em primeiro lugar, difícil é mostrá-lo nas decisões. O facto de um homem morrer por uma causa não faz dela uma causa certa.
(André Macedo - Diário de Notícias)
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