domingo, 5 de julho de 2015

O não, o sim e o nim

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1 Qualquer que seja o resultado do referendo, ninguém sabe o que acontecerá, na Grécia e na Europa, no futuro próximo. De toda a forma, é evidente que as consequências imediatas do referendo na Grécia serão para o povo grego. A possibilidade de os bancos permanecerem fechados, a eventual saída do euro, a intensificação das medidas de austeridade, entre outras possíveis desgraças, serão vividas por homens e mulheres que, segundo o ideal europeu, deviam ter a nossa solidariedade e que, pelo menos, não devíamos encarar como "eles", mas sim como parte de nós. Aliás, tanta autocongratulação sobre o facto de nós, portugueses, não estarmos a viver o drama dos gregos diz muito sobre o caminho que a Europa tomou, exprime bem o ponto onde estamos na construção duma comunidade de povos mais coesa, mais integrada e mais justa.
Mas - e não vale a pena estar a expor o que já toda a gente sabe - as consequências do referendo de hoje recairão imediatamente sobre Portugal, sobre todos os outros países europeus e, como bem demonstra a preocupação do presidente norte-americano, o resto do mundo. Não é altura para abstenções, para posições covardes e politiqueiras como a do Partido Socialista e dos seus dirigentes: há que tomar partido. Considero a posição do PSD e do governo um contributo para o fim do projeto europeu, um passo no sentido dum retrocesso brutal do nosso país, um atentado ao passado do próprio partido, uma posição que, na melhor ou na pior das hipóteses, se justifica apenas por calculismos eleitorais de curtíssimo prazo, mas é clara e frontal. O nim do PS e de António Costa é uma vergonha, um excelente meio para percebermos que não há vontade de dizer exatamente aquilo a que se vem, de afirmar claramente uma vontade. Claro que se ganhar o "não", a Grécia entrar num caos ainda maior e o PS tivesse dito que os gregos não deviam aceitar o pacote europeu, havia o sério risco de os portugueses associarem essa posição aos socialistas e isso conduzir a uma derrota eleitoral. Mas o que se espera dum político é que assuma as suas posições, que corra riscos em função das suas convicções. O que quer afinal o PS? Que ganhe o "sim", apoiando assim a continuação daquelas que têm sido as políticas europeias, subscrevendo as posições, nas palavras de Paul Krugman, "dos arquitetos do falhanço da Europa"? O "não", e o que representa de rutura com o statu quo, perigoso e com consequências imprevisíveis? Ninguém sabe. O que sabemos é que esta postura de nada dizer para dar a entender que é preciso ganhar eleições para depois revelar o que de facto se pensa já não engana ninguém e contribui para o descrédito duma possível alternativa.
Do que o PS e António Costa se esquecem é que estão a fazer aos eleitores portugueses exatamente o que os decisores europeus estão a provocar na Europa: a deixar espaço para os radicais, para os que querem destruir a democracia liberal e o projeto europeu; para os extremistas de esquerda e de direita, para os Iglesias e os Le Pen - e por esta altura, sabendo até onde foram as cedências do governo grego e as suas propostas, não me parece que ninguém de forma minimamente honesta possa dizer que estamos em presença de radicais; no entanto, há que lembrar que foi o plano europeu para a Grécia que conduziu à vitória do Syriza.
É para aí que um sim - dando como certo, e não há nada que faça prever o contrário, que os executores europeus das exigências dos credores nada tenham aprendido com esta crise - levará a Europa. A continuação das atuais políticas, do aprofundamento do desemprego estrutural, das desigualdades, da falta de investimento, da emigração em massa, conduzirá de forma lenta mas inexorável à perpetuação da austeridade e ao desfazer dos laços que ainda unem as comunidades. Daí até às soluções políticas radicais vai um passo dum anão.
O cidadão que assina esta coluna, confortável, sem ter de se pôr na fila do multibanco para dar de comer aos filhos, sem ter - por enquanto - de pensar no que acontecerá às suas economias, temendo saber o que poderá acontecer aos gregos nos próximos tempos, carregado de dúvidas, porá a sua cruzinha imaginária no "não". No fundo, por ter a convicção que um "sim" no referendo de hoje conduzirá, muito provavelmente, ao fim desse tal conforto e ao de muitos dos seus concidadãos portugueses e europeus num futuro não muito longínquo.
2 Já conhecíamos a falta de vergonha de Durão Barroso. Agora ficamos a saber que tem também um problema de memória.
Na apresentação do livro de Miguel Relvas e Paulo Júlio, o inefável Barroso pediu para que os portugueses olhassem bem para a Grécia e vissem o que lhes podia ter acontecido. Esqueceu-se de que foi durante o seu mandato como presidente da Comissão Europeia que foi aprovado aquele magnífico plano que destruiu a Grécia, que foi durante a sua catastrófica gestão que a Europa entrou na profunda crise que vive até hoje.
Não sou daqueles que passam a vida a fazer queixas sobre os atuais líderes, mas há que admitir que é preciso ter muito azar para ter tido homens como este na liderança europeia."

(Pedro Marques Lopes - Diário de Notícias)

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