segunda-feira, 16 de novembro de 2015

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 O que Passos não quer
   
«Estava a transformar-se num autêntico mistério, mas na quinta-feira ficou tudo um bocadinho mais claro. É que desde a queda do governo ainda não se tinha percebido o que a PAF queria. Até esse momento, podia imaginar-se que existia uma esperança de o PS nada conseguir com o BE e o PCP e o programa de governo passar no Parlamento. Depois da rejeição acentuou-se a conversa da ilegitimidade, da quebra duma imaginária tradição que obrigaria um partido a votar num sentido mesmo que não o quisesse fazer, de críticas ao acordo entre os partidos das esquerdas e aos insólitos comentários do género "fraude", "golpada", "reviralho" - o primeiro-ministro não sabe, mas ser do reviralho era ser contra a ditadura - "gerigonça" e disparates similares. Estes dislates não seriam graves se viessem dum qualquer jotinha com vontade de dar nas vistas ou dum qualquer cristão-novo ansioso por agradar, mas da boca dum primeiro-ministro são verdadeiramente lamentáveis, vergonhosos mesmo.

Ora, ouvia-se isso tudo mas soluções para a o futuro nada. O que quereria a PAF ? Ficar num governo de gestão? Um de iniciativa presidencial? Obrigar os partidos das esquerdas a assinar um acordo do agrado da PAF? Afinal, quer eleições antecipadas, e para isso queria abrir um processo tendente a uma revisão constitucional extraordinária.

É essa a solução preconizada.

Vamos, num primeiro momento, tentar levar a proposta a sério - e nem gastemos tempo a explicar que para termos uma revisão no sentido de podermos ter eleições todos os meses seria necessária a aprovação do PS e tudo o que isso implicaria. Assim sendo, Passos Coelho queria, num momento muito complicado para o país, parar a governação, iniciar um processo - sempre demorado - para tentar atingir um objetivo que não conseguiu há um mês, fazer implodir um princípio que serve justamente para impedir o desrespeito pela representação parlamentar, ou seja, para que se façam eleições até que se tenha o resultado desejado desprezando o papel que os deputados devem desempenhar.

Que Passos Coelho passou os últimos quatro anos a desprezar a lei fundamental já sabíamos, que atinja estes limites é que seria praticamente inimaginável. Passos Coelho não se importa de utilizar a Constituição como qualquer outro instrumento da luta político-partidária. Como bem salientava o ex-juiz do Tribunal Constitucional e militante do PSD, Paulo Mota Pinto, "a revisão constitucional não deve ser usada como arma na luta político-partidária quotidiana nem deve ser feita a reboque de uma situação ou caso concretos".

Sim, é grave que um político com as responsabilidades de Passos Coelho brinque daquela maneira com a Constituição, e a brincadeira tem ainda outra dimensão: o primeiro-ministro quer impedir a vitória de Marcelo Rebelo de Sousa nas presidenciais.

É evidente que sabendo que seria impossível rever a Constituição neste momento, Passos Coelho indica que quer eleições no mais breve espaço de tempo e, sabemos todos, que teria de ser o próximo Presidente da República a marcá-las. Quer, no fundo, definir as condições do apoio da PAF: apoiam quem lhes garantir essa marcação. Ora, Passos Coelho não ignora que a melhor maneira de um candidato do centro-direita perder é garantir que marca as eleições logo que os prazos constitucionais lhe permitam: basta verificar os resultados das legislativas. Ao pedir, indiretamente, a Marcelo que diga se dissolverá a Assembleia da República ou não - coisa que Marcelo nunca fará, sobretudo porque é impossível saber o que o futuro nos reserva e porque é um homem de Estado - quer colá-lo à atual bipolarização que, obviamente, lhe retiraria muitas das suas hipóteses e escancaria a porta para um candidato de esquerda.

Passos Coelho não se importa de perder a única possibilidade de ter alguém de centro-direita na Presidência da República, alguém que seria mais sensível a qualquer, digamos, distúrbio esquerdista. O que Passos não quer é que Marcelo Rebelo de Sousa seja Presidente da República.

Com Marcelo em Belém, o papel de líder do espaço político à direita que Passos Coelho tem desempenhado ficaria em causa. Mas, mais que tudo, ficaria claro que o centro-direita pode ter outro caminho que não o seguido nestes últimos quatro anos. O que Passos e a sua entourage não querem é que a liderança do centro-direita passe para Marcelo Rebelo de Sousa e o que isso significaria de contributo para a alteração da atual linha do PSD. Os sociais-democratas, neste momento, estão diluídos na PAF, que é um movimento de direita que nada tem que ver com a história do PSD e os seus valores.

Passos Coelho pode perder o governo, mas não quer perder o lugar de líder do seu espaço político e de moldar esse espaço às suas convicções, mesmo que altere radicalmente o PSD, mesmo que entregue a Presidência à esquerda.

Nota: a crónica em cima era para ser sobre os atentados de sexta-feira em Paris. Não é, porque só me ocorrem pensamentos de vingança, de necessidade de irmos para a guerra, de os destruirmos antes que nos destruam a nós. Não é, porque os ataques foram demasiado próximos de mim, da minha família, dos meus valores, da minha terra - e, sim, Paris é também a minha terra. Não é, porque, neste momento, não sou capaz.» [DN]
   
Autor:

Pedro Marques Lopes.

In "O Jumento"

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