domingo, 11 de maio de 2008

"Nunca pensei que um dia estaria aqui" à espera de um saco de legumes


"Nunca pensei que um dia estaria aqui" à espera de um saco de legumes
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Um vento frio entra pela porta que dá acesso à capela mortuária da igreja de Rio de Mouro, nos arredores de Lisboa. É ali, no átrio por onde passa quem vai velar os mortos, que todas as quintas-feiras o Grupo de Acolhimento e Partilha (GAP) da paróquia faz distribuição de alimentos frescos a 120 famílias carenciadas. Ainda não são 16h30, a distribuição só começa às 17h00, mas já há dezenas de pessoas à espera com sacos de plástico e carrinhos de mão. Houve quem tivesse chegado ao meio-dia para garantir um dos primeiros lugares da fila.
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Luísa (o nome, a seu pedido, foi alterado), de 46 anos, já foi directora duma empresa, já teve o seu próprio negócio, gozou, em suma, "de uma boa vida". Há pouco mais de dois anos foi-lhe diagnosticado um cancro e o companheiro foi-se embora. "Numa altura em que precisava do apoio dele para cuidar da nossa filha de cinco anos ele não teve estrutura emocional para lidar com aquilo", conta enquanto a sua vez não chega. É uma mulher com um rosto marcado, quase sem cabelo por causa dos tratamentos de quimioterapia a que continua a ser submetida. Com a doença, perdeu o companheiro e as forças para trabalhar. Ficou com dois filhos para alimentar.
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Durante dois anos, sobreviveu com a ajuda do GAP, mais a solidariedade de um anónimo ("nunca soube quem"), que, através da paróquia, teve conhecimento da sua situação e lhe fez chegar "o dinheiro suficiente para subsistir algum tempo".
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Para além dos frescos, à quinta-feira, o GAP distribui, uma vez por mês, cabazes com outros géneros alimentares (massa, feijão, grão, óleo, leite...) na sua maioria provenientes do Banco Alimentar contra a Fome. "Mas há coisas que não posso vir buscar aqui: gás, dinheiro para pagar a luz, produtos de higiene... Cheguei a privar-me de tomar banho", conta Luísa. O GAP também não distribui carne nem peixe.Por isso, Luísa sorri quando se lhe pergunta se ir ao supermercado está a ficar mais caro. Recomeçou a trabalhar em Agosto, ganha 630 euros, paga 400 de casa, mais 70 de água, luz e gás. Sobram 160 a dividir por três cabeças. "O que eu sinto é isto: há um ano, com 40 euros comprava as coisas de limpeza para o mês, a lixívia, o sabão, o papel higiénico, as pastas de dentes... e no fim ainda tinha para os lanches que a minha filha leva para a escola. Hoje, com o mesmo dinheiro, não consigo. Comprar fiambre ou queijo, não dá."Encolhe os ombros: "Mas sabe? Acho que o ser humano tem uma capacidade enorme para se adaptar. Eu, por exemplo, nunca pensei que um dia estaria aqui" à espera de um saco de legumes.
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Sandra não vai pagar a renda
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Uma mulher morena empurra com uma mão um carrinho de bebé (o mais novo dos três filhos tem 14 meses). O vento frio desalinha-lhe os cabelos escuros enquanto espera na fila para os frescos. Chama-se Sandra Onorato, tem 35 anos e diz que toda a vida teve dificuldades. "Mas as coisas, em vez de melhorar, parece que estão pior."
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"Há um ano ou dois comprava às vezes um gelado para o fim da refeição, e iogurtes com sabores; agora, não há gelado nenhum e iogurtes compro só os mais baratos. O que aqui levo é uma grande ajuda, mas o pão, por exemplo, não chega. E tenho que cortar. Penso: um café é 55 cêntimos. Não se pode! Dois cafés são 1,10! Com pouco mais consigo comprar dez carcaças."Não trabalha - com "a 4.ª classe", diz que não consegue arranjar nada que lhe dê um salário superior a 400 euros, pelo que mais vale ficar a tratar dos filhos. O marido tem um ordenado de 500 euros mensais. Pagam 300 euros de renda de casa, mais 65 de água, luz e gás, 23 de TV Cabo ("sem TV Cabo não há televisão na minha zona"); 75 euros vão "para a prestação de uns electrodomésticos" e outros 40 para um empréstimo contraído para saldar uma dívida. "Em peixe gastamos uns 30 euros e no talho uns 55." Resultado: o ordenado do marido nem sempre chega. Este mês, por exemplo, a renda vai ficar por pagar.
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Celeste queria um emprego
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O desemprego, o divórcio, a doença e o alcoolismo são as principais causas da pobreza das famílias apoiadas pelo GAP. Onde se enquadra Celeste, de 59 anos, que aguarda na fila com uma pose altiva? À pergunta, responde: "Arranja-me um emprego? É que, com esta idade, eu não consigo."
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Foi empregada de escritório durante 17 anos, mas a empresa faliu. Pouco depois o marido abandonou-a. A filha, mãe de duas crianças pequenas, também se divorciou e ficou desempregada. Celeste faz agora limpezas em duas casas e ganha 300 euros com os quais se sustenta e ajuda a filha e os netos que vivem com ela. "A minha sorte é que a casa onde vivo é minha."A conversa é interrompida quando avista um voluntário do GAP. Corre atrás dele. Pede-lhe papas para os bebés porque não está a conseguir comprá-las. Regressa a sorrir. "Sem isto, e sem o apoio de familiares, passava fome." (Público)
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Notas do Papa Açordas: Por favor, precisamos de alguém que explique ao sr.sócrates, o da Independente, que este é o país real, para o qual ele contribuiu na sua destruição...

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