sexta-feira, 1 de abril de 2016

PSD: Ventos adversos

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"Sopram ventos adversos Junto à praia que se quis E há sentimentos dispersos Que são barcos submersos No mar do que não se diz"
As palavras são da genial Manuela de Freitas e a voz que as canta é de Camané, mas podiam ser entoadas como prólogo para o congresso do PSD com a força que a poesia tem para nos dar o essencial.
Não há dúvida que "sopram ventos adversos" para Pedro Passos Coelho que foi alguém que, mesmo criticando os "cata-ventos mediáticos", soube aproveitar as correntes dominantes que lhe surgiram de feição. Atacou o discurso temeroso de Ferreira Leite, mesmo que mais tarde viesse a corporizar muito do rigor que ela defendia. Atacou Sócrates pelos cortes que o socialista queria impor, para de seguida deixar-se levar pelo furacão austeritário de Bruxelas. Justiça lhe seja feita, nunca deixou cair a sua face liberal, mas é preciso aprender a navegar à bolina.
Agora que o projeto de poder do PSD feneceu "junto à praia que se quis", o que sobra são "sentimentos dispersos", muito influenciados pela derrota recente e por um mapa político que não para de se alterar. Passos, que corporizou a cartilha alemã, não deu ainda sinais de ser capaz de colocar o PSD a produzir um discurso e um conjunto de ideias que surja como uma alternativa que não pareça só um regresso ao passado. O congresso precisa de ser o ponto de partida para este caminho.
Perante alguns meses de uma oposição sem muito futuro, os "barcos submersos" dos opositores internos começaram a emergir, mas ainda não parecem ter força suficiente para influenciar decisivamente um congresso que tem tudo para ser o "mar do que não se diz".
Esse é o resultado dessa mortífera invenção para a democracia partidária que são os congressos com líderes pré-eleitos. Mesmo num partido que tem tudo para discutir, podem ser um vazio total de confrontação de ideias porque estão formatados para ser um momento de consagração do líder.
Se Passos Coelho vai viver um momento de consagração sincero ou um exercício de hipocrisia com tons de velório, depende muito mais dele do que de quaisquer obstáculos que potenciais adversários lhe criem. Precisa de firmar um discurso que olhe o futuro e de renovar convincentemente a sua equipa para os ventos adversos que sopram. Se não for capaz disto, estamos só no princípio do fim.(David Pontes - Jornal de Notícias)

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