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Um país que se limita a discutir onde gastar os milhões que sobram depois de pagar juros equivalentes a 10% do total de despesa pública, e depois de cortar outros tantos exigidos por Bruxelas, será sempre um país amputado do seu poder de decisão. O campo das nossas escolhas é cada vez mais curto e, mais tarde ou mais cedo, chegaremos à conclusão que não tem espaço suficiente para a democracia.
Sempre foi claro para o Bloco que os constrangimentos externos prejudicariam o país. E não se pense que eles existem para garantir a nossa boa saúde orçamental. Se assim fosse, não teriam pressionado a venda do Banif ao Santander depois da injeção de mais 2000 milhões de euros. O que preocupa os mercados, a Comissão e a Direita, é a sua sobrevivência. Impedir que uma estratégia alternativa veja a luz do dia e suceda é a única forma de justificar tanto sofrimento e destruição. É também a forma de proteger aqueles que, tendo causado a crise, continuam a ser demasiado grandes para falir.
A primeira versão do Orçamento respeitava estes constrangimentos, mas tinha a vantagem de repor uma grande parte dos rendimentos (e direitos) retirados durante os últimos anos. O aumento do salário mínimo, do CSI, do RSI, o descongelamento das pensões, a reposição dos cortes salariais, a eliminação da sobretaxa ou a introdução de uma medida automática para baixar a conta da luz a quem mais precisa. Estas são as razões que nos fizeram assinar um acordo com o PS, sabendo que parar o empobrecimento é, ainda assim, muito pouco.
O texto que voltou de Bruxelas é pior. Em primeiro lugar, porque as contas iniciais não previam que o anterior Governo tivesse antecipado para 2015 receitas de 2016. A farsa da saída limpa custou 677 milhões, martelados nas contas, a pagar por quem viesse a seguir. Depois, houve Bruxelas, a sua intransigência, inventando novas questiúnculas técnicas quando todos sabemos que o problema de fundo é político, e de poder. Ninguém fez com França ou Espanha o que fizeram com Portugal, ou encontrou por lá Direita tão subserviente.
O resultado final é, como disse, pior. Dos 1391 milhões que seriam devolvidos, 655 milhões tiveram de ser compensados com mais impostos sobre combustíveis, veículos e tabaco. É uma cedência e é indefensável. Mas, ao contrário do que a Direita diz, não é um "brutal" aumento de impostos, e não é um ataque aos que menos têm. Quem vive do salário mínimo, ficará melhor, tal como a maior parte das famílias que pagam IRS, e os idosos mais pobres.
Quanto ao PSD e CDS. Retiraram o CSI a 70 mil idosos, o RSI a 170 mil pessoas, entre elas mais de 50 mil crianças. Aumentaram o IRS em 3940 milhões e até, imagine-se, o imposto sobre os combustíveis. Agora dizem-se "preocupados". É preciso ter lata.(Mariana Mortágua - Jornal de Notícias)
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