quinta-feira, 1 de maio de 2014

A reforma finou-se

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O documento de Estratégia Orçamental (DEO) saiu ontem à rua e com ele foram-se as últimas expetativas - quem ainda as tivesse - de que este governo soubesse o significado da palavra estratégia. Usa-a, abusa dela, lambuza-se, escreve-a libidinosamente em todos os documentos, talvez até a tenha repetido na Ovibeja a propósito do queijo de cabra. 

Estratégia, reformas, blá-blá-blá, Portugal é um pomar que floresce das cinzas. Acredite, a sala de espera do Paraíso fica aqui. E depois a realidade abre uma fossa, não uma piscina. É o gasparismo sem Gaspar, os impostos a torto e a direito.

O DEO é um cardápio de impostos e de mais receita para o Estado. É o primeiro tiro de partida do orçamento para 2015. São as primeiras saraivadas à caça grossa, depois virão os impostos sobre o pecado, o tabaco, o álcool, veremos até onde irá a criatividade e a necessidade. Depende da execução deste ano. A diferença para Gaspar? Há mais algum cuidado, algum, sim; alarga-se a base, reduzem-se algumas perseguições ideológicas, mas continua a ser de arrancar os cabelos.

Sim, há menos carga sobre pensionistas e funcionários públicos - vão atravessar melhor o ano das eleições legislativas... Em contrapartida sobe o IVA, embora modicamente - estamos quase nos 24% da Roménia - e aumenta o dinheiro que vamos pagar à segurança social. É um ponto importante: qual o maior problema português? O desemprego. Qual o caminho indicado para evitar o desastre, os bairros de lata, o darwinismo social? Nenhum.

Sabemos que o governo se sente embaraçado em matéria de sofrimento social - bela formulação, à atenção dos speech writers de Passos Coelho -, mas não se entende porque não enfrenta o problema, espera que ele se resolva de geração espontânea. Porque não reduzir a taxa social única, no quinhão pago pelas empresas, em vez de baixar o IRC, de modo a tornar mais barata a contratação? Não será isto realmente urgente e estratégico, as pessoas e o emprego?

A reforma do Estado foi a enterrar. Digo: nunca existiu. Passos não a soube ou não a quis fazer. Ontem pôs a lápide sobre o assunto. Até a tabela de remunerações da função pública, esse magnífico ex-líbris do passismo inaugural e impante, não muda, sofre apenas umas raquíticas alterações. Fica a valer a de Sócrates - irónico, não é? Nas pensões, o mesmo: não há reforma nenhuma, aumentam os anos de contribuições, rebatiza-se a contribuição extraordinária. Mais receita, só mais receita. Sem reforma do Estado (menos funções e serviços) os custos são e serão os mesmos, com este ou outro primeiro-ministro - não há outro caminho, é só cobrar e esperar. O governo que se dizia reformista, em três anos quase só inovou na lotaria fiscal. Bingo: acertou-nos em cheio. Para disfarçar, atira-se à Galp. Impostos e lérias, é assim o governo de Passos e Portas. A estratégia agora está bem documentada.
(André Macedo - Diário de Notícias)

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