"A praxe é hierárquica, é machista, é sexista. São características intrínsecas à praxe da Universidade de Coimbra e quando isso deixar de existir, deixa de ser a praxe da UC." Quem disse isto? Só pode ter sido um inimigo das praxes, dos que, como temos ouvido de quem as defende, "nunca as experimentou, portanto não sabe do que fala", não atingindo o quanto estas "tradicionais" práticas, que a história nos garante terem feito mortos e estropiados desde que delas há registo (foram proibidas no século xviii, devido a mortes), são necessárias para a "integração" dos "caloiros" que, asseguram-nos, a elas aderem voluntária e entusiasticamente.
Quem disse aquilo não pode, decerto, ter estado do lado dos "prós" na RTP, do qual só ouvimos que tudo o que cheire a hierarquia arbitrária, a machismo e a sexismo - portanto a humilhação e abuso -, a estar "de quatro", rebolar na lama e fezes, ser obrigado a simular atos sexuais, ser agredido fisicamente e insultado, "não é a verdadeira praxe". Como, já nos tinham dito, inclusive um ex-praxista secretário de Estado, "a verdadeira praxe" nada tem que ver "com o que se passou no Meco" - sendo então que há mais quem, para além do sobrevivente, a saber que raio.
Não: quem disse tais palavras apenas refere o que os "códigos" praxísticos estatuem. O mais antigo (1957), pai de todos os outros, é o de Coimbra. Nele se elencam, além da hierarquia dos universitários, em que os novatos são "animais", "bichos" ou "bestas" (noutros locais "vermes"), os castigos físicos a aplicar aos "faltosos" - "ir às unhas" (bater) com uma colher de pau ou um sapato e cortar o cabelo (nem sempre da cabeça; em 2007 um caloiro coimbrão foi parar ao hospital com o escroto rasgado por um "rapanço") - e se prevê que quando o sancionado não queira aceitar a sanção possa "jogar à pancada" com o chefe dos sancionadores ou ser "imobilizado" para o efeito.
Tudo coisas giras e sem mal, pelo que é comum ser perguntado aos caloiros "se têm algum problema físico ou psicológico", não vá algum ficar-se nas prazerosas atividades. Tudo coisas rigorosamente voluntárias, daí vários códigos especificarem que o estatuto de objetor tem de ser requerido à "comissão de praxe" que pode ou não concedê-lo - no da Universidade do Minho (2011) impõe-se ainda que ao não praxado ficará vedada "qualquer festividade académica" e a sua foto "será afixada" em vários locais do campus.
Ameaças, coação, perseguição, violência, arbitrariedade, sexismo, machismo: é isso a praxe. Dizem os "códigos" e o autor das palavras citadas, João Jesus, há 24 anos matriculado na UC e dux (chefe praxista) lá do sítio. Ou dizia-o em 2012 ao jornal universitário de Coimbra: esta semana, na RTP, saiu-lhe "a praxe tem de evoluir para subsistir." Cinismo, sim (a TV não é A Cabra), mas sabedoria, também. Há pelo menos 24 anos que sabe que estas indignações vêm e vão, e tudo fica na mesma."(Fernanda Câncio - DN)
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